quarta-feira, 30 de março de 2011

Não é vida sentir dor.

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tem uma fase da vida que dor chega a ser poético, e a gente dói por todos os poros, uma coisa linda de se ver: dói o amor não correspondido, a indiferença do mundo, a desigualdade entre as pessoas, a ignorância alheia, dói a delicia da juventude.

mas agora, colhega, a coisa é de verdade.

tem uma dor que me acompanha a duas semanas e não me deixa em paz. E ela é real, limita meus movimentos e não é amenizada nem com o mais potente dos analgésicos/relaxantes musculares. Mas ela merece uma história:

eu tinha doze anos e nada na cabeça. Quis imitar a Claudia Raia num comercial de meia calça, fui lá, de meia de algodão, levantei a perna, caí de bunda, dor. A mãe, depois do riso obvio, me levou ao médico: o tombo não me causou nenhum dano mas nos fez descobrir a bonita escoliose adquirida anteriormente. Então, para começar o desentortamento o médico indicou o uso do tal colete de milwaukee, ou instrumento de tortura para adolescentes: eu, que já não era magra, usava óculos, tinha roupas estranhas, cabelo indefinido, ainda desfilava por ai com aquele coiso horroroso. Depois de cerca de seis meses, muitas chacotas e choro, desisti de usar o colete, para a raiva dos meus pais que gastaram muito com aquilo. Daí pra frente passei a esconder a minha dor: se eu a sentia, era responsabilidade minha, não é? Meus pais já haviam se esforçado, agora era comigo...

Escondi até mais ou menos 2007, quando rolou o primeiro travamento geral: eu senti a coisa ficando rígida, rígida, até que não consegui ficar reta. eu era uma pessoa curvada para o lado direito, com fortíssimas dores e dificuldades em andar. Tomei muito analgésico, muito relaxante muscular, fiz fisioterapia e voltei a nadar. E enquanto cabra-macho, agüentava a dor e ia trabalhar. Daí que, poucos meses depois, a dor parou.

Muita coisa acontecia: nessa época eu tinha enfrentamentos grandes com minha chefia, precisei voltar a morar na casa da minha mãe, pegava trem lotado pra chegar ao trabalho e tinha um namoro em ruínas. Minha vida estava um caos e em algum lugar a coisa precisava pesar. Pesou.

Mas agora não: tenho uma vida bacana, com um marido maravilhoso que me faz feliz. Tenho uma casa bonita, e moro super bem. Meu trabalho? Tenho uma chefe inteligente e humana, e umas parceiras que fazem valer a pena. E incrivelmente eu travei de novo.

E eu to aqui, com dor, há duas semanas. Passei uma noite na Santa Casa, sofrendo o descaso da saúde pública. Fui ao hospital que eu pago, mensalmente, e muito bem, o Hospital do Servidor Municipal, onde sim, eu fui bem atendida mas pronto atendimento é essa merda aí, o cara te receita injeções fortes e te dá uma licença médica. No meu caso, tirei duas, pois a terceira só é possível depois de passar por uma pericia médica. E imagina só, eu, funcionaria exemplar, passando em pericia para ver se eu estou apta? É quase a morte, hein?

E no mais, fico constantemente pensando sobre o limite da dor: ora, eu consigo caminhar, em passos lentíssimos, e consigo sentar e levantar de uma cadeira. A perna formiga muito, mas eu consigo me manter em pé. Eu devo ou não ir trabalhar? Eu engulo seco ou admito minha fragilidade?

E, pelo lado filhodaputa de ser, eu sou funcionária pública. Ou seja: posso faltar que não perco o emprego. Mas e a minha responsabilidade? E as minhas duas turmas de crianças de 5 anos? Como faz?

Dói muito sentir dor, mas dói mais ainda ter os movimentos limitados. Porque é difícil passar o dia todo em casa e não conseguir caminhar por ai, coisa que me faz muito feliz. Porque é um saco não conseguir ir trabalhar. Tentei, é verdade, mas esse meu passinho de tartaruga, essa minha incapacidade de amarrar os cadarços dos meus meninos e a impossibilidade de brincar de pega pega com eles me mata.

Acho que estou ficando velha, e o indicativo disso é essa coisa de sentir dor de verdade. De verdade.