segunda-feira, 23 de março de 2009


Cansaço acumulado de um domingo festivo e de uma longa reunião de trabalho, louca pra um cochilo de fim de tarde, mudo o trajeto da cama pra varanda: vamos dar um alô pras plantinhas, coitadas. Água, poda, conversa, vento forte e... a porta bate, trava, e me deixa trancada pra fora.
Ninguém em casa.
Celular? Do lado de dentro.
Forcei a porta, tentei dar uma de macguiver e nada. Pensei em gritar pra alguém da rua, mas é difícil ser ouvida do 9º andar numa rua mega movimentada como a minha. Poderia esperar uma das meninas chegar (moro com mais duas), mas como essa casa é estranha, sabeladeus que horas elas voltam, se é que elas voltam. Pensei em gritar pros vizinhos, mas pelo cheiro eles deveriam estar bem loucos pra processar a informação. Fiz gestos pro povo do prédio da frente, mas justo hoje eles não se interessaram pela minha vida. Forcei mais um pouco, pensei em me jogar, chutei a porta, prendi o pulso, me machuquei. Roguei praga pras malditas plantas, enrolei a rede na mão (veja bem: até rede tem a varanda!) e quebrei o vidro. Destravei a maldita porta.

Agora tem cacos de vidro na cama, no tapete. Um buraco no meu vidro colorido, braços roxos.


Inferno de segunda feira.



sábado, 21 de março de 2009

E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
Quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
Quando eu estiver fogo
Suavemente se encaixe

E quando eu estiver triste
Simplesmente me abrace
E quando eu estiver louco
Subitamente se afaste
E quando eu estiver bobo
Sutilmente disfarce

Mas quando eu estiver morto
Suplico que não me mate, não
Dentro de ti, dentro de ti

Mesmo que o mundo acabe, enfim
Dentro de tudo que cabe em ti


(do ultimo mimo do moço, ultimo cd do skank, numero 8)

quarta-feira, 18 de março de 2009

“gosto sim
gosto de verdade
gosto e não tenho pressa
gosto, e tenho paciência
gosto, e gosto tanto
que deixo coisas inacabadas pra gostar de novo amanhã”

a entrega foi assim: imediata e gratuita, sem muitas pretensões. dias seguidos dividindo beijos, leito e pão, sem maiores questões, sem grandes planos. viveu-se porque tinha que ser vivido, porque tinha que ser sentido, porque tinha que ser amado. tinha que, sem outras opções.
cafés, risadas, canetas coloridas, pão com manteiga. imagens pela metade, cenas por inteiro.

“manda teu cheiro por sedex?”

mando, mando sim, ela respondia pra si mesma, em voz baixa, enquanto segurava firmemente a carta contra o peito, tentativa de unir dois corpos separados pela distancia.

*ao som de amy winehouse23Jan2008

do passado V

marca esse corpo, que por hora é seu
lambemordearranhabeija
beija
deixa o desejo desejar, ir além, em mim
as noites mal dormidas, bem vividas e bem amadas
deixa
o rastro de vc em mim, no meio do que fica
estendida
rendida no teu colchão
rendida
pela tua mão certeira, por tuas palavras, tua memória, teu passado-encantado

marca esse corpo, que por hora é o meu
que agora,
é seu10Jun2007
Doralice, eu bem que lhe disse que amar é tolice, maldade e ilusão. Te avisei que a vida é confusa, mas você não me ouviu. E agora, bela Dora, o que faremos?Amor não é assim, tão fácil. Na verdade, meu bem, tendo a acreditar que é muito difícil. Já procurei nas prateleiras do supermercado, mas foi em vão. Olhei pela janela do ônibus, pelos carros que passavam e nada. Bem querer, todo mundo tem. Quase amor, alguns. Mas amor, amor mesmo, raros os que encontram.Você me deu a mão quando precisei, e disso não me esquecerei, mas amor não é só isso, é uma outra coisa, e uma outra, e outra. Eu sei o que é, e eu sei que com você, meu bem, não foi.Eu vi o amor de perto, mas fechei os olhos. E quero que eles permaneçam bem fechados, se isso evita a dor...Doralice, meu bem, eu quis te amar, mas não deu.

do passado IV

Das ausências

Pedro é o mais velho entre os oito irmãos, que se reuniam religiosamente na casa da velha mãe viúva, todo dia de natal, ano novo, páscoa e dia das mães. Netas correndo pelo jardim, macarrão e frango na panela, conversa animada na cozinha, dominó e cerveja entre os irmãos. O pai, ausente na criação dos filhos e morto há algum tempo, deixou uma lacuna que foi ocupada por Pedro com maestria: cuidar de todos para que nada faltasse e tudo permanecesse em paz. A velha morreu há três anos, mas ainda sente-se no dever de dar pitacos na vida dos irmãos, embora o mais novo já tenha quarenta anos.
***
Namoraram por oito anos. Oito longos anos iniciados na adolescência: primeiro namoro, primeira transa, um mundo de descobertas, finais de semana compartilhados, um cachorro e almoço com a família.
Um dia ela apaixonou-se pelo vocalista de uma banda de rock e foi embora da cidade. Ele ficou com o cachorro.
***
Não casou nem teve filhos. A família envelheceu e ela ficou ali, dedicada babá de uma menina que... que...Virou mulher, saiu de casa e foi pra São Paulo estudar.
***
São Paulo concentra 21% dos brasileiros, é a terceira população da América Latina, diz o locutor da rádio. “É muita infelicidade reunida”, pensa ela, enquanto prepara o jantar. Apenas um prato na mesa.
***
Carlos e Ana tiveram dois filhos, que cresceram e seguiram o percurso natural de casar e procriar: ela, marido e filhos foram morar na cidade vizinha; ele recebeu uma proposta de trabalho irrecusável e mudou-se para o interior. Ana sofreu um derrame que deixou seqüelas. Carlos vive a cuidar da esposa. E a olhar os moleques do bairro, que empinam pipas.
***
Nice deixou emprego e faculdade para dedicar-se aos filhos, que cresceram para além da expectativa e hoje voam longe: outra cidade, outro Estado, outro país. Na solidão da casa vazia vive a rever fotos e a suspirar com o que poderia, mas não foi.
***
Chico saiu da roça e viveu a vida do chão de fábrica por 30 anos: peão. Criou as três filhas, ajudou parentes. Funcionário exemplar, aposentadoria certeira. Depois de anos apertando parafusos, não sabe o que fazer do tempo livre: divide-se entre o bar e o plano de comprar um sitio e viver no interior. Mas desaprendeu a plantar.

(das conversas com a mãe, atenta observadora das coisas da vida-besta que nos cerca)31Jan2007

do passado III

lâmpada queimada & ausência da figura masculina:

na casa das três mulheres o banho foi a luz de vela. Para além da força e da garra que as move, cada uma a seu modo e no seu caminho, a lâmpada permanece apagada. A espera daquele que, mesmo longe, impera.
Feminismo pela metade.
18Out2006

do passado II

Em torno de uma melancia, os quatro.
Sem restaurantes badalados, sem teatro cinema vídeo. Sem os clássicos da literatura, sem a moda, os carros ou colunistas sociais. Nadinha, apenas os quatro, uma melancia e conversa jogada fora.


Essa é a minha família14Abr2006

do passado

Curitiba chove.

Juntou o resto que havia dos dois e partiu. Foi curar a sua dor no lugar repleto de lembranças das coisas que não viveram, dos planos não realizados, dos sonhos deixados de lado. O céu chorava com ela, mas um choro contido, de quem sabe mas não quer.
Fez uma oferenda para um deus imaginário, virou pro lado e dormiu, na esperança de que o outro dia, outro ano, as coisas doam menos...

1Jan2006
no inicio de 2005 resolvi criar um blog. pq era moda, pq todo mundo tinha, pq parecia legal.
mentira.
comecei a escrever num blog porque NECESSITAVA do exercicio da escrita e da crítica, porque minha vida sofria bruscas mudanças e eu não sabia muito bem o que fazer com elas. era meu cadernido pautado e só, sem um assunto ou objetivos especificos, nada.
era meu e ponto.
um leitor aqui, outro acolá, todos anonimos que aos poucos se tornaram amigos.o tal blog era hospedado num lugar tosquissimo, mas na medida certa para o que eu precisava. até que hoje fui lá fuçar e vi que não cabe mais nada: é hora da mudança, cá estamos.
o fato é que de 2005 pra cá muita coisa mudou e o meu finado blog foi testemunha dos homens que amei, dos que passei a odiar, das crises, dos textos lindos, adorados ou não, das peças, dos filmes, de mais crises, das descobertas e das coisas tolas e frivolas que ocorrem no meu cotidiano.
salvei tudinho.
agora é arregaçar as mangas, arrumar a casa, ajeitar as coisas antigas, que me constituem, e trazer as novas.
e ver no que dá.