sexta-feira, 10 de junho de 2011

"quero aprender a ler pra poder casar"

A vizinha me pediu ajuda: a essa altura do campeonato, pouco mais de quarenta anos, filhos encaminhados, emprego que garante uma vida modesta e casa na praia construída nos finais de semana, mesmo depois de tudo isso ela quer mais. Deseja aprender a ler e escrever, desejo que lhe foi negado pela vida, quando engravidou aos 14, foi expulsa de casa, morou de favor, precisou trabalhar o máximo para garantir o mínimo, ou quando casou e não encontrou apoio no marido, quando foi explorada e mandou ele embora, ficando com os três filhos pequenos e nada mais.

Sua razão, a mais nobre possível: quer aprender a ler e a escrever, pois seu namorado, futuro noivo, é um italiano que mora por hora no Rio e deseja voltar para a sua terra natal, com ela a tiracolo. Quer aprender tudo o mais rápido possível, pois teme pelo futuro do relacionamento, já que ele não sabe sobre o seu analfabetismo ou, caso vá morar na Itália, que a sua vida seja impraticável por lá.

Aceitei o desafio, e iniciamos os nossos encontros.

A tal vizinha já estava fazendo aula particular aqui mesmo no bairro, e queria que eu desse um “reforço”. Além da sondagem inicial, da escrita do nome e do reconhecimento das letras do alfabeto, pedi para que ela trouxesse o material que a outra professora está trabalhando. Hoje ela trouxe, toda feliz, e esse é o motivo desse texto:

A PROFESSORA DEU UMA CAMINHO SUAVE PRA ELA!

Meu primeiro impulso foi queimar, juro. Não que eu seja uma pessoa adepta da fogueira de papel, sou uma tarada por livros, mas cartilha, e Caminho Suave, é forçar a barra, porque fui alfabetizada com esse livro, composto de frases sem sentido como “vovô viu a uva”, e exercícios de repetição e cópia, nada significativos, além de conteúdo infantilizado para um adulto.

Ao ver aquela cartilha e a série de exercícios de cópia solicitados pela outra professora, ficou uma coisa muito evidente para mim:

O fracasso escolar da minha vizinha (e de tantos outros) deve-se a sua vida complicada, mas muito mais à escola, na figura da instituição ou dessa professora aí e de tantas outras, que ignora e não se sensibiliza com as dificuldades e necessidades alheias, infantilizando o aluno e o tratando como idiota. Porque, colega, mandar uma senhora copiar uma série de palavras sem sentido algum não dá, né?

Por hora eu faço o que posso, começando do nome dela e das filhas, que é o mais significativo dos pontos de partida. E vamos acelerar o passo, dado que ela fica noiva nesse final de semana e, segundo suas expectativas, o casório acontece daqui a uns três meses, pois afinal o amor não pode esperar

(trecho da Caminho Suave: pura diversão)




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