domingo, 17 de maio de 2009

maio. 2006.

O moço deixou o link aberto, pontapé pra relembrar as sensações vividas para além das manchetes de jornal. Lembro do terror coletivo e da sensação de insegurança instaurado entre as ações e as pessoas do meu cotidiano.

Ouvi e li sobre alguns atos violentos ocorridos na periferia, mas só entendi quando estava no meio do caos: nessa época eu já trabalhava na barra funda, no período da manhã, e ficava na escola até as 14:30. A partir da hora do almoço o telefone da escola não parou de tocar, pais pedindo para buscar seus filhos antes do horário. Como a diretora estava em reunião e só chegaria um pouco mais tarde e a coordenadora não estava entendendo nada, obviamente negou a saída e achou aquilo tudo um exagero. A diretora chegou e, sem a gente entender nada, passou a liberar todas as crianças, conforme a chegada dos pais, assim como os professores que moravam longe, como eu. E disse bem séria para a outra professora, que me dava carona, para me deixar o mais perto de casa.

O que vimos do portão da escola pra fora foi assustador.

Os funcionários do Fórum Criminal e do Trabalhista deixando os respectivos prédios as pressas, porque havia ameaça de bomba. Os pontos de ônibus, abarrotados. Nos supermercados as pessoas se abasteciam para a guerra. Fui deixada no corredor da Rebouças, e vi um absurdo de congestionamento para as duas da tarde, ônibus raros e lotados, empregadas domesticas e engravatados empilhados no desespero de voltar para casa. Nessa época eu morava numa república pertinho do portão 1 da USP, e vi da minha janela a marginal pinheiros vazia as nove da noite, horário marcado para o tal toque de recolher, que o boato tratou de espalhar. Eu tinha ordens expressas da mãe pra não sair de casa (pq mãe é mãe e a gente obedece, mesmo de longe), muito menos ir pra aula. Fiquei sabendo depois que a USP ficou fechada naquela noite por questões de segurança, uma vez que a Academia de Policia fica justamente no portão de entrada (e perto da minha casa).

No restante da semana os pais acharam melhor não levar as crianças para a escola, por temer os incêndios aos ônibus e tudo o mais. A coisa toda se prolongou até a Virada Cultural (e o meu aniversario), que teve um publico assustado e policiamento ultra reforçado.

Daí veio o julho

(como as coisas não tinham dado muito certo na minha vida, eu havia voltado pra Mauá, e estava coordenando os trabalhos do recreio nas férias numa escola que fica ali no comecinho da consolação)

Acorda cedo, pega o trem, corre pro trabalho. Chegando a estação da luz, o caos: não havia ônibus para lugar algum, pessoas voltando pra casa ou se empilhando nos pontos na esperança de que algo mudasse, policiamento reforçado, nenhum taxi vazio. Caminhei da luz até a escola, e a cena de pessoas caminhando e buscando alternativas de chegar ao trabalho era de assustar, pq a gente não tem dimensão do numero de pessoas que dependem de ônibus até vê-las todas reunidas. Nada de crianças, de novo.

Por cerca de quatro meses ouvi debates, declarações, tentativas de explicação, todo um falatório, até que o assunto morreu.

Morreu?

As execuções sumárias continuam ocorrendo, tribunais aplicam pena de morte e ainda muita coisa acontece, mas longe dos holofotes. Ano passado, por duas vezes tive que deixar meu trabalho pois havia toque de recolher e acerto de contas nas proximidades da escola. Um professor amigo meu precisou levar algumas crianças pra casa e no trajeto se deparou com um morto aqui, outro acolá. Os meninos da quinta série contavam com detalhes violências praticadas naquela região. Mas na folha online não deu uma linha sequer.

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